GravaêH busca registrar a memória de comunidades tradicionais do Estado

Parceria com a Comunidade Kilombola Morada da Paz marca início de nova fase do projeto

João Pedro Rodrigues – Jornal do Comércio

Montado dentro de um ônibus equipado para ações de música, cinema, literatura, teatro e exposições, o Estúdio Móvel GravaêH deu início a mais uma série de turnês em busca de produções culturais pelo Rio Grande do Sul.

Nesta nova fase do projeto idealizado pelo Centro de Integração de Redes Sociais e Culturas Locais (Cirandar), organização social com 12 anos de experiência que desenvolve programas ligados à cultura popular, o objetivo é contemplar ações voltadas para a valorização das produções artísticas das comunidades tradicionais do Estado.

Inspirada no projeto da Fundação John Lennon, que também contava com um estúdio móvel para gravar e lançar artistas no mercado, a iniciativa já participou de mais de 90 turnês no Rio Grande do Sul, fazendo a gravação de mais de 300 artistas ligados a estilos musicais como o rock, o samba, o reggae e o rap. Ao todo, foram visitadas 25 cidades, incluindo a Capital, com mais de 20 mil pessoas atendidas diretamente.

Para marcar a nova etapa, o Cirandar firmou uma parceria com a Comunidade Kilombola Morada da Paz, localizada no município de Triunfo, para apoio no projeto “Da Raiz do Embueiro às Sementes de Baobá: História, Memória e Resiliência CoMPaz”, contemplado pela Lei Federal Aldir Blanc, que prevê auxílio financeiro ao setor cultural.

Assim, foi realizada a gravação de músicas e poemas autorais do grupo Sementes de Baobá, composto por jovens da própria comunidade, que versam sobre o enfrentamento do racismo e a valorização da cultura, da ancestralidade e da espiritualidade afro-brasileira.

“Ficamos muito felizes com essa oportunidade”, conta a coordenadora institucional do Cirandar, Márcia Cavalcante. “Há muito tempo, a Morada da Paz e o Cirandar queriam colocar esse projeto em prática. A Lei Aldir Blanc tem permitido que iniciativas que estavam no campo dos sonhos se tornem realidade. Foi muito especial”, complementa.

O projeto também receberá o apoio de outras duas instituições para a gravação de um documentário sobre a trajetória da comunidade e a produção de um livro com imagens e poesias do território.

Com a conclusão das gravações, o grupo está realizando a pós-produção do material, para depois mostrá-lo à comunidade e, posteriormente, publicá-lo. A previsão é de que as obras estejam disponíveis a partir do início da primeira quinzena de maio no site do Cirandar (www.cirandar.org.br).

“Foi uma experiência muito bonita”, diz Dhara, de 17 anos, uma das vocalistas do grupo Sementes de Baobá. “Já queríamos que tivesse acontecido há um tempo. Quando tivemos a oportunidade, nós aproveitamos”, conta ela, que também revela que a ansiedade era grande por parte dos componentes do grupo antes da sua primeira gravação.

“Foi um sonho que se realizou para o Sementes de Baobá, e nós nos sentimos muito felizes no estúdio. É um espaço maravilhoso e acolhedor, em que tivemos momentos de muito aprendizado”.

Para Baogan Bàbá Kinní, um dos representantes da Morada da Paz, a possibilidade de gravar abriu caminho para que outras oportunidades apareçam, e ele torce para que isso aconteça, pois o grupo ainda possui muitos trabalhos compostos.

“A cultura, para nós, é uma estratégia de resiliência, de fortalecimento da nossa raiz ancestral e da nossa identidade enquanto povo negro e quilombola. Este movimento do Sementes de Baobá é uma ação muito linda de fortalecimento da nossa história, da nossa cultura, da nossa memória, principalmente nesses tempos que estamos vivenciando”, destaca.

Ele salienta, ainda, que o projeto possibilitou a união das pessoas mais velhas e mais novas da comunidade em prol da divulgação do trabalho realizado, que procura fortalecer a unidade do seu povo. “Existe uma onda de racismo muito grande, que é estimulado também pelos setores retrógrados. Através da cultura e da arte, nós valorizamos a nossa ancestralidade e a nossa territorialidade”, completa.

A ideia do Cirandar é concentrar as turnês do GravaêH no Estado, mas não exclui a possibilidade de expandir os seus horizontes. A ação, após a conclusão dos trabalhos junto à Morada da Paz, procura identificar novas comunidades tradicionais para gravação e, para isso, ainda busca novos apoios financeiros.